quarta-feira, 13 de julho de 2016

Notas sobre o Colóquio Psicanálise e Adolescência

Aconteceu em 24 de junho de 2016, na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul o colóquio Psicanálise e Adolescência, com os convidados Carlos Genaro Gauto Fernández, Psicanalista, Membro da EBP e AMP; e a Profa. Dra. Vera Lopes Besset, coordenadora do Núcleo de Pesquisas CLINP-Clínica Psicanalítica/UFRJ, Psicanalista, Membro da EBP e AMP. A abertura da atividade se deu pelas falas da Profa. Dra. Rosilene Caramalac, coordenadora dos trabalhos e por Fábio Paes Barreto, debatedor da atividade.
Carlos Genaro iniciou sua fala partindo do termo “puberdade” em Freud até o termo “adolescência” e sua dimensão mercadológica. Em seguida, a “metamorfose da puberdade” referida por Freud é distanciada da lógica do inevitável desenvolvimento e aproximada da metamorfose de Kafka, como um evento contingente no corpo. A partir daí, aspectos como o surgimento do interesse no corpo do outro e o Outro sexo passam a suscitar questionamentos como se o conceito de adulto se sustentaria – esse adulto, cujo desejo depende do Outro e que pela falta não se basta. Por fim, Carlos Genaro afirma que os impasses da adolescência apontam para uma proposta dos adolescentes para serem diferentes do que já está instituído, restando aos analistas descobrirem como respeitá-los em sua singularidade.

Vera Besset iniciou sua fala chamando a atenção para a diferença entre Universidade e o discurso universitário, visto que se pode muito bem praticar o discurso da psicanálise na Universidade, bem como o discurso universitário nas instituições psicanalíticas, caso os analistas não estejam alertas. Vera Besset abordou o tema da adolescência indicando que vivemos em tempos de declínio do patriarcado e das identificações verticais com a ascensão das identificações horizontais, e que a adolescência é uma construção cultural condizente com o tempo atual. O adolescente é convocado a estar em um dos lados (homem/mulher) e o corpo não dá respostas sobre quem é o ser. No fracasso do simbólico, há de se tentar usar o corpo como suporte. 

Saú Pereira Tavares de Oliveira
Analista praticante e 
coordenador Adjunto da Delegação MS/MT


 Debate "A anatomia é o destino?
Na noite de 24 de junho de 2016, os membros da EBP e da AMP Vera Lopes Besset e Carlos Genaro Gauto Fernández debateram o tema "A anatomia é o destino?", após a projeção de "A garota dinamarquesa", na sede da Delegação MS/MT/EBP, em Campo Grande/MS. O filme trata da suposta primeira cirurgia de transgenitalização da medicina - questão polêmica e cada vez mais frequente na clínica psicanalítica com adolescentes, em busca da construção de um corpo possível e habitável para si.
A protagonista do filme não pode ser tomada como um caso clínico propriamente dito, conforme oportunamente considerou Carlos Genaro - por não se tratar de um sujeito acolhido sob transferência em um dispositivo analítico. Por outro lado, a discussão pontual do tema, ao mesmo modo como a demanda de uma radical transformação do corpo se nos apresenta no dia-a-dia do consultório, em muito contribui para avançarmos em nossa clínica.
Se à época em que se passa o filme - anos 1920/1930 - a mudança de gênero era um delírio da medicina e uma aventura quase suicida para o sujeito em questão, hoje ela já é uma realidade disponível na cultura, inclusive paga pelo SUS, sob a pompa científica do nome "cirurgia de transgenitalização". Psiquiatras e psicólogos são convocados a darem seus pareceres, e a cirurgia só é autorizada quando confirmado o diagnóstico de "Transtorno de Identidade de Gênero" (CID 10: F64).
Para o psicanalista, o problema é bastante distinto: trata-se, em suma, de examinar se o parecer favorável ao o ato cirúrgico é congruente à estabilização do parlêtre ou se, ao contrário, estamos, inadvertidamente, direcionados rumo a uma passagem ao ato consentida que, em última instância, consolidaria um desencadeamento franco. Optamos, assim, por orientar o debate à luz da ética da psicanálise e por intermédio do exercício de um diálogo entre o primeiro e o último ensino de Lacan. Na metamorfose EinaràLili há elementos que dizem da estrutura em questão e que nos saltam ao olhos. Estão lá o empuxo-à-mulher (ao modo da torção "se não posso ser o falo de uma mulher, posso ser uma mulher para um homem") e sua resposta curto-circuitada para as questões sobre o "Ser". No seminário 23, Lacan propõe uma disjunção fundamental entre o "Ser" e o "Ter" um corpo, como nos lembrou Vera Besset. Na saída possível para Einar/Lili, o problema não se dialetiza desse modo e a solução advém na "cola" entre "Ser" e "Ter" um corpo de mulher. Acrescenta-se, ainda, que o ser/possuir o corpo de mulher não está inscrito na lógica da castração e o afã aqui é de se tornar "A Mulher", ou seja, de fazer-se existir n'A Mulher (Einar/Lili reitera a todo instante seu imperativo de se tornar a mulher completa). Podemos resumir tal solução na série metonímica: Ser/Ter o corpo d'A Mulher.
Acreditamos que nosso debate não esgota o problema da cirurgia de transgenitalização. Entretanto, a psicanálise participa mais e mais dessa discussão que está na ordem dos nossos  dias, a partir de uma perspectiva ética bastante própria e de uma clínica do um-por-um. Nas ferramentas que dispomos para responder à questões que envolvem a diversidade de gêneros - que, para o psicanalista, devem estar situadas para um mais além da luta contra preconceitos e pelas reivindicações ligadas aos direitos das minorias - consideramos, essencialmente, a articulação entre operadores estruturais e as contribuições da clínica topológica de enlaces e desenlaces, propostos por Jacques Lacan.

Fábio Paes Barreto
Membro da EBP/AMP
Coordenador da Delegação Geral/MS/MT/EBP