Aconteceu em 24 de junho de 2016, na Universidade Federal do Mato Grosso
do Sul o colóquio Psicanálise e Adolescência, com os convidados Carlos Genaro
Gauto Fernández, Psicanalista, Membro da EBP e AMP; e a Profa. Dra. Vera Lopes
Besset, coordenadora do Núcleo de Pesquisas CLINP-Clínica Psicanalítica/UFRJ,
Psicanalista, Membro da EBP e AMP. A abertura da atividade se deu pelas falas
da Profa. Dra. Rosilene Caramalac, coordenadora dos trabalhos e por Fábio Paes
Barreto, debatedor da atividade.
Carlos Genaro iniciou sua fala partindo do termo “puberdade” em Freud até
o termo “adolescência” e sua dimensão mercadológica. Em seguida, a “metamorfose
da puberdade” referida por Freud é distanciada da lógica do inevitável
desenvolvimento e aproximada da metamorfose de Kafka, como um evento contingente
no corpo. A partir daí, aspectos como o surgimento do interesse no corpo do
outro e o Outro sexo passam a suscitar questionamentos como se o conceito de
adulto se sustentaria – esse adulto, cujo desejo depende do Outro e que pela
falta não se basta. Por fim, Carlos Genaro afirma que os impasses da
adolescência apontam para uma proposta dos adolescentes para serem diferentes
do que já está instituído, restando aos analistas descobrirem como respeitá-los
em sua singularidade.
Vera Besset iniciou sua fala chamando a atenção para a diferença entre
Universidade e o discurso universitário, visto que se pode muito bem praticar o
discurso da psicanálise na Universidade, bem como o discurso universitário nas
instituições psicanalíticas, caso os analistas não estejam alertas. Vera Besset
abordou o tema da adolescência indicando que vivemos em tempos de declínio do patriarcado
e das identificações verticais com a ascensão das identificações horizontais, e
que a adolescência é uma construção cultural condizente com o tempo atual. O
adolescente é convocado a estar em um dos lados (homem/mulher) e o corpo não dá
respostas sobre quem é o ser. No fracasso do simbólico, há de se tentar usar o
corpo como suporte.
Saú Pereira Tavares de Oliveira
Analista praticante e
coordenador Adjunto da Delegação MS/MT
Debate "A anatomia
é o destino?
Na noite de 24
de junho de 2016, os membros da EBP e da AMP Vera Lopes Besset e Carlos Genaro
Gauto Fernández debateram o tema "A anatomia é o destino?",
após a projeção de "A garota dinamarquesa", na sede da
Delegação MS/MT/EBP, em Campo Grande/MS. O filme trata da suposta primeira
cirurgia de transgenitalização da medicina - questão polêmica e cada vez mais
frequente na clínica psicanalítica com adolescentes, em busca da construção de
um corpo possível e habitável para si.
A protagonista
do filme não pode ser tomada como um caso clínico propriamente dito, conforme
oportunamente considerou Carlos Genaro - por não se tratar de um sujeito
acolhido sob transferência em um dispositivo analítico. Por outro lado, a
discussão pontual do tema, ao mesmo modo como a demanda de uma radical
transformação do corpo se nos apresenta no dia-a-dia do consultório, em muito
contribui para avançarmos em nossa clínica.
Se à época em que se passa o filme - anos 1920/1930 - a
mudança de gênero era um delírio da medicina e uma aventura quase suicida para
o sujeito em questão, hoje ela já é uma realidade disponível na cultura,
inclusive paga pelo SUS, sob a pompa científica do nome "cirurgia de
transgenitalização". Psiquiatras e psicólogos são convocados a darem seus
pareceres, e a cirurgia só é autorizada quando confirmado o diagnóstico de
"Transtorno de Identidade de Gênero" (CID 10: F64).
Para o psicanalista, o problema é bastante distinto:
trata-se, em suma, de examinar se o parecer favorável ao o ato cirúrgico é
congruente à estabilização do parlêtre
ou se, ao contrário, estamos, inadvertidamente, direcionados rumo a uma passagem
ao ato consentida que, em última instância, consolidaria um desencadeamento
franco. Optamos, assim, por orientar o debate à luz da ética da psicanálise e
por intermédio do exercício de um diálogo entre o primeiro e o último
ensino de Lacan. Na metamorfose EinaràLili
há elementos que dizem da estrutura em questão e que nos saltam ao olhos. Estão
lá o empuxo-à-mulher (ao modo da torção
"se não posso ser o falo de uma mulher, posso ser uma mulher para um
homem") e sua resposta curto-circuitada para as questões sobre o
"Ser". No seminário 23, Lacan propõe uma disjunção fundamental entre
o "Ser" e o "Ter" um corpo, como nos lembrou Vera Besset. Na
saída possível para Einar/Lili, o problema não se dialetiza desse modo e a
solução advém na "cola" entre "Ser" e "Ter" um
corpo de mulher. Acrescenta-se, ainda, que o ser/possuir o corpo de mulher não
está inscrito na lógica da castração e o afã aqui é de se tornar "A
Mulher", ou seja, de fazer-se existir n'A Mulher (Einar/Lili reitera a
todo instante seu imperativo de se tornar a mulher completa). Podemos resumir
tal solução na série metonímica: Ser/Ter o corpo d'A Mulher.
Acreditamos
que nosso debate não esgota o problema da cirurgia de transgenitalização.
Entretanto, a psicanálise participa mais e mais dessa discussão que está na
ordem dos nossos dias, a partir de uma
perspectiva ética bastante própria e de uma clínica do um-por-um. Nas
ferramentas que dispomos para responder à questões que envolvem a diversidade
de gêneros - que, para o psicanalista, devem estar situadas para um mais além
da luta contra preconceitos e pelas reivindicações ligadas aos direitos das
minorias - consideramos, essencialmente, a articulação entre operadores estruturais
e as contribuições da clínica topológica de enlaces e desenlaces, propostos por
Jacques Lacan.
Fábio
Paes Barreto
Membro
da EBP/AMP
Coordenador
da Delegação Geral/MS/MT/EBP