segunda-feira, 23 de maio de 2016

LINHAS, LETRAS E SOMBRAS

- fragmentos estéticos -

 


A realidade da natureza não nos basta! Longe disso!
No labirinto de palavras e signos verte-se incessantemente o desejo e suas mil faces...
É nesse turbilhão de improvisos e impermanências que engendramos a realidade poética, ou todos os outros cenários que nos tragam alguma beleza ou nos impulsione à invenção.
Temos uma fome estética, ainda que às vezes possamos ficar inapetentes ou desapontados face ao fulgor do Real e as errâncias recorrentes do homem.
Nesse sentido, as nossas alternativas são as linhas das formas, as letras poéticas e as sombras imagéticas, nossos recursos diante do absurdo da vida.
Para experimentar uma existência, necessariamente precisamos ingerir beleza, a dieta de Deus, se Ele existir.
Esse espaço foi criado para esse fim. Para que possamos partilhar belezas que bem poderiam ser divinas, mas, que por sorte foram profanadas e, por efeito, podemos acessar para o deleite dos corpos e seus sentidos tantas vezes adormecidos no gris do cotidiano...
Inauguramos com Salgado Maranhão e Di Cavalcanti, dois brasileiros que com lápis e pincel um dia tocaram o corpo da Beleza...






Transfiguração sob o olhar de 
Di Cavalcanti 

São bocas rubras do vinho
de uma festa que não houve
são incêndios represados
são lábios sujos de love.

São segredos que se acoitam
na paisagem dos vestidos
são reveses que se atrevem
entre o haver e o havido.

Lume no lago dos olhos
que a aurora dissemina
são rumores da natura
no que é fêmea e femina.

São recatos do silêncio 
nos desacatos da cor
é a estiagem úmida
do sonho que transbordou.

(Salgado Maranhão)


Colaborou: Ary Farias

sábado, 21 de maio de 2016

Envelope Formal

Esse texto foi publicado originalmente no Boletim Eletrônico UM POR UM, destinado exclusivamente aos Membros da Escola Brasileira de Psicanálise - EBP. É um comentário do texto de Frank Rollier, Psicanalista da École de la Cause Freudienne - ECF, que, por sua vez, foi publicado no Scilicet O CORPO FALANTE - Sobre o Inconsciente no Século XXI, dedicado ao X Congresso da Associação Mundial de Psicanálise, que ocorreu em abril de 2016 no Rio de Janeiro.

Envelope Formal 
Comentário de Ary Farias 

O instigante texto de Frank Rollier atualiza, em poucas linhas, a expressão original de Lacan, traduzida nos Escritos por invólucro formal do sintoma, no texto De nossos antecedentes. [1] 

Numa abordagem inicial, tomamos o invólucro formal do sintoma a partir da sua constituição significante, donde em sua consistência simbólica transporta a demanda (queixa) endereçada ao campo do Outro, no caso um analista. 

Ao formalizar seu sofrimento numa cadeia significante, o sujeito estrutura seu sintoma ao mesmo tempo em que criptografa no corpo, por assim dizer, seu sentido. Nesse paradoxo reside o desconexo sutil entre o que se estrutura na fala como demanda e o quê, do desejo, permanecerá indizível. Portanto, instâncias descoladas e nunca equalizáveis entre demanda e desejo. “Pois aí é que se vê que a insciência que o homem tem de seu desejo é menos insciência daquilo que ele demanda – que, afinal, pode ser cingido – do que insciência a partir da qual ele deseja.“ [2] 

A partir disso e, num primeiro momento, interpretadas pelo viés das referências simbólicas, podemos pensar que a demanda de análise visava à restituição ou a retificação subjetiva, relembrado de alguma forma no texto de Rollier, a partir de Freud. Nessa perspectiva a intervenção analítica deveria acontecer no sentido de trazer à luz o significado oculto do sintoma, que se achava então embutido no desalinho ou na desdita contada pelo sujeito. Aqui, o corpo era ainda tomado tão somente como envelope fantasmático do sujeito. Pedia tradução. 

Alinhado à demanda e tomado como metáfora do desassossego pulsional, o invólucro formal do sintoma traz em seu cerne os efeitos dos sismos semânticos que abalaram e fizeram vacilar em algum ponto a ficção gramatical em que o sujeito se sustentava. Uma ruptura nas acomodações entre o sujeito e o seu corpo, momento em que as solenidades simbólico-imaginárias do eu não mais abrigariam esse sujeito do mal-estar e dos desarranjos que daí pudesse decorrer. Essa descontinuidade na homeostase fantasmática do sujeito, de algum modo, sempre cintilaria o infortúnio da não conformidade sexual, leitmotiv de todo sintoma. 

O instantâneo cultural e o corpo 
Se seguirmos a indagação de Rollier a respeito da variação do invólucro formal do sintoma na evolução da cultura, veremos que o sintoma é sempre contemporâneo à febre diária do corpo vivo. A memória, o idioleto cardeal do corpo vivo para falar do tempo no pretérito, sempre atualiza o trauma da linguagem no cotidiano de cada parlêtre. Logo, o corpo, onde invariavelmente um gozo macera e um sintoma fala, traz o selo do Outro e seu lábaro cultural. Arriscando, poder-se-ia dizer que a linguagem é o ponto de ortodoxia do parlêtre

Assim, o corpo em psicanálise, longe de ser um complexo orientado pela natureza, resulta do ravinamento de lalíngua na planície da carne e das cavilações da linguagem na relação com Outro. Acontecimentos que estruturam e corroboram os avanços de Lacan sintetizados no conceito de parlêtre. Nessa perspectiva conceitual observa-se a progressão da própria noção do inconsciente, na visada de um corpo definitivamente atravessado pelo significante – o corpo falante. 

A imisção da palavra nas funções do organismo, “vestígio inesquecível” [3] e que chamamos de acontecimento de corpo resulta numa afecção que não é propriamente de sentido e sim de gozo. Desse modo, o corpo é o cadinho onde se fundem permanentemente gozo e sentido. 

Nesse ponto, o invólucro formal do sintoma em homologia com o acontecimento de corpo traduz não outra coisa, senão, que a incidência da língua em seus efeitos de costume e estranhamento. Não todo colonizado pelo simbólico, um corpo é sempre o lugar dos motins de gozo. Por efeito, e paradoxalmente, o gozo do corpo afirma e protesta as premissas do viver junto, sob o pano de fundo invariável da não-relação-sexual. 

Por fim, Frank Rollier ao ressaltar, na atualidade, a ascensão do objeto a em seus imperativos de gozo, esclarece sobre as práticas de corpo verificadas na clínica atual, cujo desvelamento se traduz na debilidade dos “ideais e marcas simbólicas” [4]. 

Essa tirania do excesso e a consequente dissolução dos laços, desbota o sentido (ocaso do Outro), sidera e aprisiona o corpo cada vez mais em programas de gozo isolado. Essa “solidão eloquente” do teatro contemporâneo, cujos paradigmas atuais são a pornografia e as práticas de adições tóxicas, constituem os principais “argumentos gozosos”, portanto errantes, do parlêtre diante dos impasses da vida e do insolúvel do sexo. 

Descentrado (não analiticamente) de sua função bussolar, o Outro enquanto instância de suporte à lógica libidinal dos corpos encontra então seu lugar de rebotalho na cena contemporânea. A ferocidade do supereu acontecendo na esteira da debilidade do Outro. 

Assim, o parlêtre, “mal envelopado” e sem destino seguro no gozo, pede uma intervenção analítica que, seguindo a orientação de Miller, deveria “afinar-se com a pulsação do corpo falante para se insinuar no sintoma” [5]. 

Em suma, diante do gozo mortífero e liquefeito do parlêtre, o analista lacaniano proporá contundente, porém, não sem poesia, a vértebra da palavra. Novas letras de gozo para grafar então seu Sinthoma. 


 [1] LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
 [2] LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 829.
 [3] MILLER, Jacques-Alain. Falar com seu corpo, In Revista Opção Lacaniana, n. 66, p.16. São Paulo, agosto de 2013.
 [4] Cf. ROLLIER, F., em Envelope Formal. O inconsciente e o corpo falante, in: Scilicet. São Paulo, 2016.
 [5] MILLER, Jacques-Alain. O inconsciente e o corpo falante, in: Scilicet. São Paulo, 2016. p. 32

quarta-feira, 18 de maio de 2016

HEURECA DE QUARTA-FEIRA

Reza a lenda que Arquimedes (287-212 a.C.), Matemático grego-lacaniano, descabelado e diante de uma sinuca de bico com os números, de repente, num lampejo lógico, teria por fim encontrado a solução: HEURECA!!
Eis aí a manjedoura dessa famosa interjeição!
Seguindo Lacan nas quartas-feiras (há mais de uma década), observamos que em vários momentos saímos numa pequena clareira teórica. 

E é para coroar esses pequenos triunfos lógicos que inventamos esse espaço para compartilhar esses breves arroubos diante da densidade dos textos de Lacan...

18 de maio de 2016





Seminário 23 - o sinthoma, capítulo 8, página 123.
AMOR ,         sublim AÇÃO
Amor é...
        
                       AMOR É...
                                                       
                                                         AMOR –ÇÃO...
DevastAÇÃO...
                  
                         FormAÇÃO...
                         
                                             Uni-AÇÃO...
                                          
                                                                           PulsAÇÃO...
                                                         
                                                                                                           DevassIDÃO
Perdi-AÇÃO...
                                 
                                                            Em –contra-AÇÃO...
         
                                                Sem –em-contra-rAZÃO...
                                          
                                                                                                     Pura emOÇÃO...
      
      ConcluSÃO em VÃO....
                     
                                                   Apenas sentimentAÇÃO.........
Sinapse: Dulciana Apolinário


Seminário 23 - o sinthoma, capítulo 8, página 123.

O homem "faz amor com seu inconsciente e nada mais".
Lacan ao isolar o amor no UM INCONSCIENTE, sem com isso, desconsiderar o laço, faz aparecer que o muro da não-relação-sexual é construído com os tijolos dos significantes do amor...
Sinapse: Ary Farias

terça-feira, 17 de maio de 2016

Atividades em 2016

Fique por dentro das nossas atividades

- Leitura dos Seminários de Orientação Analítica (às quartas-feiras)
Coordenação: Ary Farias e Carla Serles

- Grupo Conceitos (atividade quinzenal)
Coordenação: Katiuscia Kintschev

- Noite da Delegação (atividade mensal)
Coordenação: Fabio Paes Barreto e Luana Santos Silva

- Conversações (atividade mensal)
Coordenação: Carla Serles

- Ensaios: Giorgio Agamben (atividade mensal)
Coordenação: Saú Pereira Tavares de Oliveira

- Dia a dia da Clínica: Como o analista opera? (atividade mensal)
Coordenação: Regina Cheli Prati e Rosilene Caramalac

- Oficina de Estudos de Psicanálise: A Clínica do Real II e Olho Clínico - Um travelling entre Psicanálise e Cinema (atividade mensal)
Coordenação: Sueli Ignoti, Rondonópolis, MT

Informações: 67 3356-5194 / 67 9264-4014 ou ebp.dgeralmsmt@gmail.com

Esperamos vocês.